
Como sempre e por causa do tipo de construção, os barulhos do vizinho andando no andar abaixo do seu apartamento pareciam vir dos quartos, na mansarda acima da sala. A sobrinha que estava de visita, uma típica criança de apartamento de cidade grande, logo estranhou:
– Tio, que barulho é esse?
– Barulho?
– É! A tia está lá em cima?
– Não, sua tia está aí ao lado, na cozinha…. Ah, você está falando desses passos?
– Tô! Tem gente lá em cima?
– Ninguém, querida. Aliás, isso aí é uma história muito triste. Quando estavam construindo esses chalés, um operário resolveu dormir na hora do trabalho em pleno buraco onde hoje é o porão, veja você. O pessoal da obra não notou e encheu o local de cimento, enterrando o pobre coitado vivo. Aí, todas as noites ele anda pelos quartos e corredores mas, não sei porque, tem uma predileção especial pelo nosso!
– Tia, cadê você, eu quero voltar pro Rio!
Os olhos da menina estavam arregalados e para piorar, a cachorra resolveu se posicionar no início da escada e latir furiosamente para cima.
– Júnior, eu ouvi! Que maluquice é essa Ô minha querida, seu tio é um idiota que só fala besteira. Você não vê que essa história é uma maluquice só Nunca morreu ninguém e esse barulho é normal nesse tipo de construção.
– Puxa vida, desculpe, eu só estava brincando. Olha, vamos subir e você vai ver que está tudo vazio. Não tem ninguém no andar de cima.
– Eu não quero ir lá em cima, eu quero voltar pra casa!
– Ô menina, não precisa chorar, vai, além do mais sua tia vai ficar puta da vida….
– Júnior! Olha o palavrão!
-…. Atacada comigo! Tá bom, eu vou cobrir o fantasma de porrada e ele vai embora, está bom assim?
– Vamos os três lá no segundo andar e você vai ver que isso tudo é fantasia e os barulhos vem mesmo é do apartamento de baixo.
– Será tia?
– Claro, olha só, o quarto de hóspedes está completamente vazio e aqui no nosso quarto só tem mesmo aquele baratão na cortina… Ai, que horror, aquilo é um monstro, tira já de lá.
– Mas que barata o quê,é um besouro que não faz mal pra ninguém, basta pegar com cuidado e jog….
– Você não vai colocar a mão nessa “coisa”. Virgem, ele voa!
– Gente, já está tarde, vocês vão acordar toda a vizinhança, logo tem polícia aí na porta. Faz o seguinte, desce com a menina que eu vou tirar o bicho assim que ele parar de dar rasantes na minha cabeça e pousar em algum lugar.
Não deu outra: pegou o cascudão com todo o cuidado e o soltou na varanda, fechando a porta para que ele não voltasse.
De repente, a gritaria recomeçou:
– Jesus, Maria, José, o besouro está aqui na sala, entrou voando pela janela da cozinha Desce logo, tira ele daqui!
– Eu quero voltar pro Rio, essa casa da tia é muito ruim, tem “obrário” morto e “bizorro” grandão!
– Gente, eu vou matar esse filho da pu….
– Não tio, não mata não! Aí vão ser dois fantasmas na casa. Me leva de volta pra minha mãe!
O final de semana com a sobrinha prometia.
Carlos Emerson Jr. (2014)