“A água de boa qualidade é como a saúde ou a liberdade: só tem valor quando acaba.” (Guimarães Rosa)
Eu era criança, talvez com uns oito ou nove anos. Morava com meus pais e minha irmã em Copacabana, no Rio, a uma quadra da praia. Um bom apartamento, um bairro grande mas ainda não superlotado, transporte e comércio na porta, escolas públicas com vagas. O Rio ainda era o Distrito Federal, a capital do Brasil.
Infelizmente não tinha água….
Parte de minha infância foi profundamente marcada pela “rotina da falta d’água”: a banheira cheia de água para uso da casa, banho de “cuia” (expressão mato-grossense para aquele banho sem-vergonha usando uma bacia e um baldinho), evitar sujeira, não ir à praia, não desperdiçar o precioso líquido em hipótese alguma.
No auge da crise, meu pai, desesperado, tomou uma atitude radical: comprou e mandou instalar uma enorme caixa d’água dentro do apartamento, ocupando um espaço livre na saída da cozinha. Quem entrasse em casa, pela entrada de serviço, era obrigado a passar por debaixo do monstrengo. Sempre achei que aquele “gatilho” ia desabar mas a verdade é que resistiu bravamente e melhorou um o aperto.
Pois é, meus caros, a palavra racionamento a essa altura da vida soa como uma estranha e indesejada volta no tempo e uma sensação de decepção e frustração enorme. Afinal, 57 anos depois, ainda não sabemos ou não tivemos competência para resolver um problema básico para nossa existência, o consumo de água.
No final dos anos 50 moravam aproximadamente três milhões de pessoas na “mui heroica e leal Cidade de São Sebastião do Rio de Janeiro”. A Barra da Tijuca e o Recreio dos Bandeirantes não passavam de um enorme areal. A zona rural era efetivamente rural e para ir a Niterói só de balsa, barca ou por rodovia, lá pelos lados de Magé.
A situação só melhorou mesmo na década de 60, quando o sistema de abastecimento do Rio Guandu entrou em funcionamento. O enorme e audacioso investimento feito em captação, tratamento e distribuição finalmente deu resultado: água nas torneiras. E pelo menos até o ano 2000, como nos garantiram na época.
O tempo passou, eu cresci, o Brasil também e de repente, percebo que estamos voltando direto para o passado, correndo o risco de ficar sem água e conviver com os tempos dos racionamentos. Aliás, talvez para justificar tamanho retrocesso, inventaram um nome pomposo, técnico até, para justificar a possível falta d’água: crise hídrica.
Não é uma beleza?
Claro que não e nossa obrigação, nesse momento, é agir com consciência, sem esperar as inevitáveis medidas patéticas e inúteis que fatalmente serão anunciadas como salvadoras e definitivas. Economizar água tem que ser a palavra de ordem, quase um mantra. Quanto mais pessoas se envolverem, mais pressão e resultados serão obtidos.
A caixa d´água do meu pai, que possivelmente já foi retirada do antigo apartamento, de repente parece anacronicamente útil. O mais chato, no entanto, é ter certeza que o velho não acreditaria que tantos anos depois ainda não aprendemos bulhufas, como ele gostava de falar.
Pois é.
Passei minha infância na “Fenemê”. Era como chamava o local na época. Um bairro que cresceu em torno de uma fábrica. Uma utopia que na briga da Aeronáutica com o Exercito, destruíram. Tínhamos água encanada, dentro de outras regalias…
Mas tinha consciência da escassez de água quando visitava outros parentes…
É! Seu pai se adequou a época! Teremos que fazer o mesmo a partir de agora 🙂
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É isso, Valéria, infelizmente vamos ter que encarar mais essa. Quando penso que país está tomando jeito, acontece mais uma dessas… Um dia a gente aprende. Um abração.
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E perceba por esse tema o como somos destrutivos afinal vivemos em um Planeta que mesmo tendo seu nome de Terra 2/3 dele é pura Água. 😦
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Pois é!
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